Faculdade de Medicina de Marília: Disciplina de Embriologia Humana

 
   
 
 
 
 

Primeiras semanas

• Primeira semana

1. Fecundação

União de um espermatozóide com um ovócito secundário, que ocorre normalmente na ampola da tuba uterina formando o zigoto. O ovócito é expulso o folículo terciário do ovário durante o processo de ovulação, juntamente com a corona radiata. A tuba desliza suas fímbrias sobre a superfície do ovário para frente e para trás, de modo a capturar o ovócito na ovulação. Não havendo fertilização, este se degenera em 24-36 horas.

Fases da fecundação:

- Passagem do espermatozóide através da corona radiata do ovócito (reação acrossômica): Auxiliado pela ação da enzima hialuronidase, liberada do acrossoma do espermatozóide, e também, pelo movimento da cauda do espermatozóide (figura 1).

- Penetração na zona pelúcida: Formação de um caminho na zona pelúcida através da ação de enzimas. Logo que o espermatozóide penetra a zona pelúcida desencadeia o fim da segunda meiose e uma reação zonal, mudanças das propriedades físicas da zona pelúcida que a torna impermeável a outros espermatozóides (figura 1).

- Fusão das membranas plasmáticas do ovócito e do espermatozóide: A cabeça e a cauda do espermatozóide entram no citoplasma do ovócito na área de fusão.

- Término da segunda divisão meiótica do ovócito: Formação do ovócito maduro (pronúcleo feminino) e o segundo corpo polar.

- Formação do pronúcleo masculino: Dentro do citoplasma do ovócito, o núcleo do espermatozóide aumenta para formar o pronúcleo masculino, enquanto que a cauda do espermatozóide se degenera. Durante o crescimento, os pronúcleos replicam seu DNA.

- Lise da membrana do pronúcleo: Ocorre a agregação dos cromossomos (23 cromossomos de cada núcleo resulta em um zigoto) para a divisão celular mitótica e primeira clivagem do zigoto (figura 2).

2. Clivagem do zigoto

Consiste em divisões mitóticas repetidas do zigoto, resultando em um rápido aumento no número de células. Estas células embrionárias – os blastômeros- tornam-se menores a cada divisão. Quando já existem de 12 a 32 blastômeros o concepto é chamado de mórula (figura 3 e 4).

3. Formação do blastocisto

A mórula alcança o útero cerca de quatro dias após a fecundação e o fluido da cavidade uterina passa através da zona pelúcida para formar – a cavidade blastocística (figura 5 e 6).

À medida que o fluido aumenta na cavidade, os blastômeros são separados em duas partes:

- Trofoblasto: Camada celular externa que formará a parte embrionária da placenta.

- Embrioblasto: Grupo de blastômeros localizados centralmente que dará origem ao embrião.

Durante esse estágio o concepto é chamado de blastocisto. Cerca de 6 dias após a fecundação, o blastocisto adere ao epitélio endometrial por ação de enzimas proteolíticas (metaloproteinases) e a implantação sempre ocorre do lado onde o embrioblasto está localizado. Logo, o trofoblasto começa a se diferenciar em duas camadas (figura 6):

- Citotrofoblasto: Camada interna de células.

- Sincicitrofoblasto: Camada externa de células.

No final da primeira semana o blastocisto está superficialmente implantado na camada endometrial na parte póstero-superior do útero. O sinciciotrofoblasto é altamente invasivo e se adere a partir do pólo embrionário, liberando enzimas que possibilita a implantação do blastocisto no endométrio do útero. Esse é responsável pela produção do hormônio hCG que mantém a atividade hormonal no corpo lúteo durante a gravidez e forma a base para os testes de gravidez.

 

Saiba mais...

Defeitos no desenvolvimento: A tuba uterina colabora para o transporte do ovócito. Se a tuba estiver impérvia, devido a algum processo inflamatório pregresso, pode ocorrer implantação do zigoto na mucosa da tuba, estrutura inapropriada e que causa risco de hemorragia materna - Gravidez tubária. O ovócito pode também cair na cavidade abdominal e se implantar no espaço de Douglas, que culmina com morte do embrião - Gravidez abdominal.

 

Defeitos de implantação do blastocisto no útero: Após o desenvolvimento normal o blastocisto pode sofrer implantações atípicas, como próximo a cérvix uterina - placenta prévia - que pode resultar em complicações no decorrer da gestação.

 

• Segunda semana

Caracteriza-se por:

- Término da implantação do blastocisto (10° dia) (figura 7);

- Formação do disco embrionário bilaminar - epiblasto e hipoblasto;

- Formação de estruturas extra-embrionárias: a cavidade amniótica, o âmnio, o saco vitelino, o pedúnculo de conexão e o saco coriônico.

1. Formação da cavidade amniótica e do disco embrionário

Com a progressão da implantação do blastocisto, ocorrem mudanças no embrioblasto que resultam na formação de uma placa bilaminar – o disco embrionário- formado por duas camadas (figura 8):

- Epiblasto: Camada celular espessa e colunar, que desenvolve rapidamente à cavidade amniótica.

- Hipoblasto: Camada celular delgada e cubóide, que forma o saco vitelino.

Concomitante a esses processos, aparece um pequeno espaço no embrioblasto, a cavidade amniótica. O epiblasto forma o assoalho da cavidade amniótica e o hipoblasto o teto da cavidade exocelômica. Células do hipoblasto migram para formar a membrana exocelômica que reveste a superfície interna do citotrofoblasto. Logo se modifica para formar o saco vitelino primitivo. As células do endoderma do saco vitelínico formam o mesoderma extra-embrionário, que circunda o âmnio e o saco vitelino. Assim, há formação do âmnio, disco bilaminar e saco vitelínico.

Com o desenvolvimento, surgem espaços celômicos isolados no interior do mesoderma extra-embrionário. Posteriormente, fundem-se para formar o celoma extra-embrionário, que envolve o âmnio e o saco vitelino.

2. Desenvolvimento do saco coriônico

O celoma extra-embrionário divide o mesoderma extra-embrionário em duas camadas (Figura 9):

- Mesoderma somático extra-embrionário, que reveste o trofoblasto e o âmnio.

- Mesoderma esplâncnico extra-embrionário, que envolve o saco vitelino.

Córion: Formado pelo mesoderma somático extra-embrionário e as duas camadas de trofoblasto.

• Terceira semana

Caracteriza-se por:

- Aparecimento da linha primitiva;

- Formação da notocorda;

- Formação do disco trilaminar

1. Gastrulação: Formação das camadas germinativas

Processo pelo qual o disco embrionário bilaminar é convertido em disco embrionário trilaminar (inicio da morfogênese). Durante a gastrulação ocorrem alguns eventos importantes como a formação da linha primitiva, camadas germinativas, placa precordal e notocordal. Cada uma das três camadas germinativas dará origem a tecidos e órgãos específicos:

- Ectoderma: Origina a epiderme, sistema nervoso central e periférico e a várias outras estruturas;

- Mesoderma: Origina as camadas musculares lisas, tecidos conjuntivos, e é fonte de células do sangue e da medula óssea, esqueleto, músculos estriados e dos órgãos reprodutores e excretor;

- Endoderma: Origina os revestimentos epiteliais das passagens respiratórias e trato gastrointestinal, incluindo glândulas associadas.

2. Formação da linha primitiva

No início da terceira semana a linha primitiva (figura 10) surge na extremidade caudal do embrião como resultado da proliferação e migração de células do epiblasto para o plano mediando do disco embrionário, constituindo o primeiro sinal da gastrulação. Na sua extremidade cefálica surge o nó primitivo, com uma pequena depressão no centro chamado fosseta primitiva e ao longo da linha forma-se o sulco primitivo. O aparecimento da linha primitiva torna possível identificar o eixo embrionário.

Após esse processo, ocorre a invaginação de células do epiblasto que dão origem as três camadas germinativas do embrião (figura 11): o mesênquima ou mesoblasto, que origina os tecidos de sustentação e conjuntivos do corpo, um pouco forma o mesoderma intra-embrionário e outras deslocam o hipoblasto e formam endoderma intra-embrionáiro. As demais células que permanecem no epiblasto formam o ectoderma intra-embrionario. A linha primitiva regride e desaparece na quarta semana do desenvolvimento (figura 12 e 15).

3. Formação do processo notocordal

Células mesenquimais migram cefalicamente do nó e da fosseta primitiva formando um cordão celular mediano o processo notocordal. Esse processo adquire uma luz - canal notocordal - e cresce até alcançar a placa precordal, área de células endodérmicas firmemente aderidas a ectoderma. Estas camadas fundidas formam a membrana bucofaríngea (boca). Caudalmente a linha primitiva há uma área circular também com disco bilaminar, a membrana cloacal (ânus). A notocorda surge pela transformação do bastão celular do processo notocordal. O assoalho do processo notocordal funde-se com o endoderma e degeneram. Ocorre então a proliferação de células notocordais a partir da extremidade cefálica, a placa notocordal se dobra e forma a notocorda (figuras 12 e 13). A notocorda: - define o eixo do embrião; - base para formação do esqueleto axial; - futuro local dos corpos vertebrais.

4. Formação do alantóide

O alantóide é um anexo embrionário que surge por volta do 16° dia na parede caudal do saco vitelino. Durante a maior parte do desenvolvimento, o alantóide persiste como uma linha que se estende da bexiga urinária até a região umbilical, chamada de úraco, a qual nos adultos corresponderá ao ligamento umbilical mediano (figura 14).

5. Neurulação: Formação do tubo neural

A formação da placa neural é induzida pela notocorda em desenvolvimento. Por volta do 18° dia, a placa neural se invagina ao longo do eixo central, formando o sulco neural mediano, com pregas neurais em cada lado (figura 16). No fim da terceira semana, as pregas neurais começam a aproximar-se e a se fundir, formando o tubo neural, primórdio do SNC.  Este logo se separa do ectoderma da superfície, se diferencia e forma a epiderme da pele. . A fusão das pregas neurais avança em direção cefálica e caudal, permanecendo abertas na extremidade cranial - neuroporo rostral – até o 25º dia e na extremidade caudal – neuroporo caudal – até o 27º dia.  Concomitante a esse processo, as células da crista neural migram e formam uma massa entre o ectoderma e o tubo neural, a crista neural. Logo, a crista se separa em duas partes, direita e esquerda, e origina os gânglios espinhais e os gânglios d o sistema autônomo e as meninges (figura 17).

6. Desenvolvimento dos somitos

Durante a formação da notocorda e do tubo neural, o mesoderma intra-embrionário se divide em: mesoderma paraxial, intermediário e lateral (contínuo com o mesoderma extra-embrionário) (figura 18). Próximo ao fim da 3° semana de gestação, o mesoderma paraxial diferencia-se e forma os somitos. No fim da 5° semana 42 a 44 pares de somitos estão presentes e avançam cefalocaudalmente dando origem à maior parte do esqueleto axial e músculos associados, assim como a derme da pele adjacente.

6. Desenvolvimento do celoma intra-embrionário

No interior do mesoderma lateral e cardiogênico surgem espaços celômicos que se unem e formam o celoma intra-embrionário, dividindo o mesoderma lateral em duas camadas:

- Camada parietal/ somática que cobre o âmnio;

- Camada visceral/ esplâncnica que cobre o saco vitelino.

• Somatopleura = mesoderma somático + ectoderma sobrejacente

• Esplancnopleura = mesoderma esplacnico + endoderma subjacente

Durante o 2° mês, o celoma está dividido em 3 cavidades:

- Cavidade pericárdica;

- Cavidades pleurais;

- Cavidade peritoneal.

7. Desenvolvimento do sistema cardiovascular

No inicio da 3°semana começa a angiogênese no mesoderma extra-embrionário do saco vitelino, do pedículo do embrião e do córion. A formação dos vasos sanguíneos inicia-se com a agregação dos angioblastos – ilhotas sanguíneas. Pequenas cavidades vão se formando dentro das ilhotas, os angioblatos se achatam e originam o endotélio primitivo. Essas cavidades se unem formando redes de canais endoteliais (figura 20). O coração e os grandes vasos provêm de células mesenquimais da área cardiogênica (figura 19). Durante a 3° semana os tubos endocárdicos se fundem, originando o tubo cardíaco primitivo. No fim da 3° semana o sangue já circula e desenvolve-se o primórdio de uma circulação uteroplacentária.

 

 

Veja o roteiro de estudo das lâminas
de Clivagem


Veja o roteiro de estudo das lâminas
de Gastrulação


Figura 1 - Sequência de eventos do processo de fertilização.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 2 – Esquema da gametogênese normal.

Fonte: Moore & Parsaud (2003)

Figura 3 – Início do desenvolvimento embrionário de um ouriço-do-mar.

Fonte: http://cas.bellarmine.edu

Figura 4 – Esquema do Blastocisto
1-Embryoblast
2-Pellucid zone
3-Trophoblast
4-Blastocyst cavity

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 5 - Blastocisto no 5° dia
1-Embryoblast
2-Pellucid zone
3-Trophoblast
4-Blastocyst cavity

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 6 - Estágios iniciais da implantação do blastocisto.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 7 - Migração do embrião através da tuba uterina.
1- Ovary
2- Fallopian tube
3- Endometrium
4- Myometrium
5- Uterine cavity
A- Spermatozoon penetrates into the oocyte (conception)
B- Two-cell stage, day 1
C- Four-cell stage, day 2
D- Eight-cell stage, day 3
E- Morula (16-32 cells), day 4
F- Free blastocyst (following hatching), day 6

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 8 - Implantação final do blastocisto no endométrio.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 9 - Blastocistos implantados de 10 dias (A) e 12 dias (B).

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 10 - Gênese da linha primitiva..

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 11 - Esquema ilustrando a migração de células do epiblasto a partir da linha primitiva.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 12 - Formação do disco embrionário trilaminar.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 13 - Processo notocordal

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 14 - Esquema ilustrando o alantóide e várias estruturas do corpo do embrião (28 dias).
1- Chordal process
2- Embryonic endoblast
3- Amniotic cavity
4- Neural tube
5- Body stalk
6- Intraembryonic mesoblast
7- Prechordal plate
8- Pharyngeal membrane
9- Cloacal membrane
10- Aortae
11- Umbilical veins
12- Cardiogenic plate
13- Allantois

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 15 - Desenvolvimento dos somitos e do celoma intra-embrionário.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 16 - Esquema evidenciando o processo de neurulação.
1- Neural tube
2- Neural fold
3- Neural groove
4- Somites
5- Neural crest
6- Protrusion of the pericardium
7- Cranial neuropore
8- Caudal neuropore

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 17 - Esquema ilustrativo da formação do tubo neural por meio da fusão das pregas neurais.

Fonte: Moore & Persaud (2003).

Figura 18 - Diferenciação do mesoderma intra-embrionário.
1- Paraxial mesoderm
2- Intermediate mesoderm
3- Lateral plate mesoderm
4- Chordal process
5- Amnion
6- Intraembryonic coelom
7- Endoblast
8- Ectoblast
9- Somatopleural (mesoderm and ectoderm)
10- Splanchnopleural (mesoderm and endoderm)
11- Neural groove
12- Neural plate

Fonte: http://embryology.ch/

Figura 19 - Primórdio do tubo cardíaco

http://php.med.unsw.edu.au/embryology/