Faculdade de Medicina de Marília: Disciplina de Embriologia Humana

 
   
 
 
 
 

Desenvolvimento do Coração


O primórdio do coração é observado no 18º dia de desenvolvimento na área cardiogênica. O acúmulo de células mesenquimais esplâncnicas ventrais ao celoma pericárdico leva à formação dos cordões angioblásticos, que se canalizam e formam os dois tubos endocárdicos. Com o dobramento lateral do embrião (Figuras 1 e 2), esses tubos se fundem para formar um único tubo cardíaco. Essa fusão começa na extremidade cranial e se estender caudalmente, entre o 22º e 28º dia de desenvolvimento.

O coração em desenvolvimento é composto de um tubo endotelial separado de um tubo muscular (miocárdio primitivo) por tecido conjuntivo gelatinoso (geléia cardíaca).  O tubo endotelial torna-se o endocárdio, o miocárdio primitivo torna-se a parede muscular do coração e o epicárdio é derivado de células mesoteliais que se originam da superfície externa do seio venoso.

Com o dobramento cefálico o coração e a cavidade pericárdica passam a ficar ventralmente ao intestino anterior e caudalmente a membrana bucofaríngea (Figura 3). Em conseqüência desse dobramento o coração tubular se alonga e desenvolve dilatações e constrições alternadas: tronco arterial, bulbo cardíaco, ventrículo primitivo, átrio primitivo e seio venoso.

Dessa maneira, podemos considerar que o desenvolvimento inicial do coração pode ser dividido em três fases: plexiforme, tubular reta e em alça. A fase plexiforme caracteriza-se por um plexo endotelial(que forma o endocárdio) envolvido pelo miocárdio. A outra etapa, tubular reta, consiste em dois tubos endocárdicos dando origem a um ventrículo único e na última fase ocorre a formação da alça cardíaca, em que o coração assume uma morfologia semelhante a um S.

As extremidades  arterial e venosa do coração são fixadas, respectivamente, pelos arcos faríngeos e pelo septo transverso e está suspenso na parede dorsal pelo mesocárdio dorsal. Durante o desenvolvimento o coração se invagina para a cavidade pericárdica e a parte central do mesocárdio se degenera formando o seio pericárdico transverso, entre os lados direito e esquerdo da cavidade pericárdica, separando os vasos de entrada e saída em adultos. Às vezes, durante cirurgias, ligaduras são realizadas ao redor desses vasos para controlar o fluxo sanguíneo.  Assim, o coração fica somente preso pelas suas extremidades cranial e caudal.

O crescimento mais rápido do bulbo cardíaco e do ventrículo primitivo leva a formação da alça bulboventricular em forma de U (Figura 4)

O seio venoso recebe as veias vitelínicas, umbilicais e cardinais.

É importante notar que antes do dobramento cardíaco as estruturas do coração encontravam-se em série, ou seja, conectadas desde a extremidade venosa até a extremidade arterial por um tubo reto. O estabelecimento da alça ventricular é importante para a transformação da disposição em séria para a em paralelo.

Dessa forma, o resultado final do dobramento cardíaco é colocar as quatro futuras câmaras do coração nas suas relações espaciais exatas uma com a outra. Assim, quando o tubo cardíaco se alonga em ambos os polos arterial e venoso, ele toma uma configuração em forma de S: o bulbo cardíaco é deslocado caudalmente, ventralmente e para a direita; o ventrículo primitivo é deslocado para a esquerda e o átrio primitivo é deslocado dorsalmente e cranialmente.

O dobramento cardíaco  envolve dois processo principais: estabelecer a direção do dobramento e realizar as etapas biomecânicas que dirigem o dobramento. A curvatura inicial do tubo cardíaco em forma de C é a primeira evidência morfológica de assimetria embriológica. Vários estudos tentaram explicar os mecanismos que dirigem a curvatura inicial e o dobramento contínuo do coração em um tubo em forma de S. Nos estudos mais recentes, foi proposta a existência de assimetria na composição da matriz extracelular com relação à presença da molécula Flectin. Acredita-se que a Flectin tenha um padrão assimétrico de distribuição da esquerda para a direita dentro da geleia cardíaca, tendo uma correlação positiva entre os níveis de Flectin e maiores taxas de proliferação celular. Dessa forma, sugere que a proliferação celular e o crescimento miocárdico assimétrico poderiam ajudar a dirigir a curvatura e o dobramento.

Circulação no Coração Primitivo

O coração primitivo é composto de seio venoso, válvula sinoatrial, átrio primitivo, ventrículo primitivo, bulbo cardíaco e tronco arterial (Figuras 5 e 6).

No final da 4ª semana de desenvolvimento as contrações coordenadas do coração levam a um fluxo unidirecional do sangue. Antes, era do tipo fluxo-refluxo.

O caminho a ser percorrido pelo sangue é do seio venoso para o tronco arterial, e quando o sangue chega neste compartimento vai para o saco aórtico, de onde é distribuído para os arcos aórticos, passando então para a aorta dorsal.

Entre a metade da 4ª semana e no final da 5ª semana ocorre a septação do coração primitivo. Isto é, septação do canal atrioventricular (Figura 7).

O início da septação se dá com a formação dos coxins endocárdicos nas paredes ventrais e dorsais do canal atrioventricular. Eles se fusionam e divide o canal AV em canais AV direito e esquerdo. Separando o átrio do ventrículo, primordialmente.

Os coxins endocárdicos são originados a partir da matriz extracelular que é secretada entre o endocárdio e o miocárdio. Quando o dobramento cardíaco está próximo do fim, algumas das células endocárdicas nos coxins sofrem uma transformação epitélio-mesenquimal (EMT) gerando o mesênquima que invade a matriz extracelular e se diferencia em tecido conjuntivo. O desenvolvimento correto dos coxins é essencial para a septação completa – que é a geração da porção membranosa (ou fibrosa) dos septos interventricular e atrial e a separação da aorta e da artéria pulmonar.

Os neonatos de mães diabéticas têm um risco quase que três vezes maior de ter defeitos cardíacos congênitos, isso porque a hiperglicemia parece agir como um teratógeno através da inibição da EMT, necessária para a formação dos coxins.

A princípio, o canal atrioventricular que ficava predominantemente à esquerda parece passar por uma mudança relativa para a direita. Assim, o átrio direito pode se comunicar diretamente com o ventrículo direito. Além disso, com a circulação aórtica e pulmonar, o ventrículo esquerdo pode se conectar com o tronco arterial através do forame interventricular. Acredita-se que fatores hemodinâmicos sejam importantes para a modelagem da anatomia do sistema circulatório.

No final da 4ª semana ocorre a septação do átrio primitivo, dividindo-o em átrio direito e átrio esquerdo. Essa septação se inicia com a formação do septum primum (Figura 8), uma fina membrana em forma de meia-lua começa a surgir a partir do teto do átrio em direção aos coxins endocárdicos em fusão. Esse processo dá origem  ao forâmen primum.

Antes da  obliteração total do forâmen primum, perfurações no septum primum aparecem, resultantes de apoptoses, representando o forâmen secundum. Inicia-se a formação do septum secundum e a degeneração cranial do septum primum (Figura 8).

Como a formação do septum secundum é incompleta ocorre a formação do forame oval. Assim,  o septum secundum divide incompletamente o átrio  e a parte distal do septum primum funciona como uma válvula(válvula do forame oval). A fossa oval é um vestígio(remanescente) do forame oval.

Mudanças do seio venoso

Inicialmente o seio venoso se abre no centro da parede dorsal do átrio primitivo. Devido à formação da veia braquiocefálica esquerda e da degeneração da veia vitelínica esquerda, ocorre desvio de sangue da esquerda para a direita (Figura 11). Assim, no final da 4ª semana de desenvolvimento, o corno direito do seio venoso é maior que o esquerdo.

O corno esquerdo irá diminuir de tamanho e se tornará o seio coronário. Já o corno direito se incorporará à parede do átrio direito (Figuras 11 e 12).

Veia pulmonar primitiva e formação do átrio esquerdo

A veia pulmonar primária se desenvolve ao lado esquerdo do septum primum na parede atrial dorsal. Ao longo do desenvolvimento são formadas 4 veias pulmonares (Figura 13).

Septação do ventrículo primitivo

A divisão do ventrículo primitivo inicia-se com a formação do septo interventricular(IV) primário, no assoalho do ventrículo próximo do seu ápice (Figuras 15 e 16). O septo IV é resultante principalmente da dilatação dos ventrículos. Até a 7ª semana há o forame interventricular, que permite a comunicação entre os ventrículos direito e esquerdo. O fechamento do forame interventricular ocorre no final da 7ª semana e é resultado da fusão das cristas bulbar direita e esquerda e do coxim endocárdico.

Após o fechamento do forame interventricular, o tronco pulmonar fica em comunicação com o ventrículo direito e a aorta com o ventrículo esquerdo.

Septação do bulbo cardíaco e tronco arterial

Durante a 5ª semana de desenvolvimento a proliferação de células mesenquimais nas paredes do bulbo cardíaco resulta na formação das cristas bulbares. No tronco arterial, de forma semelhante, ocorre a formação das cristas do tronco. Esses dois conjuntos de cristas sofrem espiralização de 180° resultando na formação do septo aorticopulmonar (Figura 17).

Esse septo divide o bulbo cardíaco e o tronco arterial em dois canais: a aorta e o tronco pulmonar.

O bulbo cardíaco é incorporado às paredes dos ventrículos definitivos. No ventrículo direito é representado pelo cone arterial (infundíbulo) e no ventrículo esquerdo ele forma as paredes do vestíbulo aórtico, porção do ventrículo logo abaixo da válvula aórtica (Figura 18).

Desenvolvimento das válvulas cardíacas

As válvulas semilunares se desenvolvem no final da septação do tronco arterial através de três tumefações de tecido subendocárdico. As válvulas atrioventriculares desenvolvem-se igualmente, só que ao redor dos canais atrioventriculares (Figura 19).

Bibliografia Consultada:

Moore KL, Persaud TVN. Embriologia clínica. 8a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2008.

Moore KL, Persaud TVN. The developing human: clinically oriented embryology. 7th ed. Philadelphia: WB Saunders; 2003.

Moore KL, Persaud TVN, Shiota K. Atlas colorido de embriologia clínica. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002.

Schoenwolf GC, Bleyl SB, Brauer PR, Francis-West PH. Larsen embriologia humana. 4a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2009.

O'Rahilly R, Müller F. Embriologia & teratologia humanas. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

 
 

Figura 1 – Dobramento lateral do embrião e fusão dos tubos endocárdicos.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 2 – Fusão tubos endocárdicos.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 3 – Dobramento cefálico e o desenvolvimento do coração.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 4 - Alça bulboventricular em forma de U.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 5 - Coração primitivo.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 6 – Formação da alça cardíaca no coração primitivo (A, B e C). Inicialmente o tudo cardíaco é curto e relativamente reto (D), mas ao alongar-se ele forma uma alça, trazendo a região atrial para posição cefálica e dorsal ao ventrículo (E). A, átrio primitivo; seta, septo transverso; S, seio venoso; V, ventrículo.

Fonte: Sadler (2005).

Figura 7 - Septação do canal atrioventricular.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 8 - Formação do septum primum

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 9 - Formação do septum secundum e degeneração do septum

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 10 - Forame oval

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 11 - Alterações do seio venoso

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 12 - Destino do seio venoso direito

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 13 - Destino do seio venoso esquerdo

Fonte: Moore & Persaud (2003)


Figura 14 - Formação das veias pulmonares

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 15 - Início da formação do septo interventricular

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 16 - Septo interventricular em desenvolvimento

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 17 - Formação do tronco     

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 18 - Septação do bulbo cardíaco.

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 19 - Formação das válvulas cardíacas.

Fonte: Moore & Persaud (2003)