Faculdade de Medicina de Marília: Disciplina de Embriologia Humana

 
   
 
 
 
 

Sistema Nervoso (Parte 1)

Formação do Tubo Neural e Cristas Neurais

O tubo neural se origina da placa neural (Figuras 1 e 2), uma área espessada do ectoderma neural na região dorsal média, que surge por volta da terceira semana, induzida pela notocorda e mesoderma paraxial.

A placa neural, muda sua conformação, com elevação das suas bordas laterais (pregas neurais), passando a se chamar sulco neural (Figuras 1 e 2). As pregas neurais vão se aproximando e o sulco neural se aprofundando, formando a goteira neural. Quando as pregas neurais fundem-se, forma-se então o tubo neural (figuras 2 e 3).

A formação do tubo neural começa em torno do 22º ao23º dia, induzido pela epiderme da região dorsal e pela notocorda. O tubo neural se fecha primeiramente na região medial do embrião. As extremidades ainda abertas são denominadas neuroporos.

O neuroporo rostral (abertura anterior) (Figura 1) fechará por volta do 25º dia; e a abertura caudal, o neuroporo caudal (Figura 1), vai se fechar dois dias mais tarde. Antes do fechamento do neuroporos, a cavidade do tubo neural é preenchida por líquido amniótico. Com o fechamento dos neuroporos, a cavidade passa então a ser preenchida por líquido ependimário. O termo líquido cerebroespinhal só é usado quando surgem os plexos coróides.

Durante a formação do tubo neural, em embriões de cerca de três semanas e meia, na região de fusão das pregas neurais, células se desprendem da superfície e migram para as laterais do tubo neural, essas células constituem a crista neural. A crista neural se forma até no mínimo quatro semanas e meia, no encéfalo, e durante muito mais tempo na medula espinhal.

O sistema nervoso é dividido em:

• Sistema Nervoso Central (SNC): derivado do tubo neural; consiste em encéfalo e medula espinhal                                                                                   

• Sistema Nervoso Periférico (SNP): derivado da crista neural; consiste em neurônios fora do SNC e nervos cranianos e espinhais, que unem o encéfalo e a medula espinhal às estruturas periféricas;

• Sistema Nervoso Autônomo: possui partes tanto do SNC como do SNP, consiste em neurônios que inervam músculo liso, músculo cardíaco ou glândulas; dividido em dois componentes: Simpático e Parassimpático.

Histogênese das células do sistema nervoso central

Glioblastos (figura 4) são células de sustentação primordiais, provenientes de células neuroepiteliais. Elas migram da camada neuroepitelial para as camadas do manto e marginal, dando origem aos astrócitos e oligodendrócitos (figura 4).

As células neuroepiteliais também formam as células ependimárias (figura 4), estas formam o epêndima, que reveste o canal central da medula espinhal.

As Células Mesenquimais se diferenciam em células microgliais (figura 4), que fazem parte do sistema mononuclear fagocitário.

Desenvolvimento da Medula Espinhal

Durante a fase de sulco neural e logo após a fusão das pregas neurais, o tubo neural é constituído por células neuroepiteliais, que formam a camada neuroepitelial ou neuroepitélio. Com o tubo neural fechado, as células neuroepiteliais dão origem a outro tipo celular, as células nervosas primitivas ou neuroblastos, que formam a camada do manto. Esta camada, por sua vez, forma a camada marginal. Portanto, a medula espinhal com seis semanas é composta pelas seguintes zonas:

Zona Ventricular (figuras 5): constituída por células neuroepiteliais da parede do tubo neural, dão origem a todos os neurônios e células macrogliais da medula espinhal.

Zona Intermediária (figuras 5): formada por neuroblastos, provenientes das células neuroepiteliais em divisão da zona ventricular. Neuroblastos se tornam neurônios.

Zona Marginal (figuras 5): composta pelas partes externas das células neuroepiteliais. É a futura substância branca da medula espinhal.

Por volta de oito a dez semanas, a medula espinhal é parecida com a do adulto.

Com o espessamento das paredes laterais da medula surgem às placas alares e placas basais, dorsais e ventrais, respectivamente (Figuras 5, 6 e 7). Essas placas são separadas pelo sulco limitante (Figuras 5, 6 e 7). As lâminas alares são unidas por uma delgada placa do teto, dorsalmente, e as lâminas basais, por uma delgada placa do soalho, ventralmente (Figura 6 e 7). As placas alares formam os cornos dorsais cinzentos (funções aferentes) e as placas basais, os cornos cinzentos ventrais e laterais (funções eferentes) (Figura 6). O sulco limitante se estende por toda a medula espinhal e até o encéfalo médio, cranialmente.

Além do corno dorsal e do corno ventral, existe o corno intermediário, nas porções torácica e lombar superior da medula espinhal, contendo neurônios da parte simpática do sistema nervoso autônomo.

Externamente, a medula espinhal embrionária encontra-se delimitada por uma camada fibrosa de prolongamentos de células gliais, a membrana limitante externa (Figura 5), formada inicialmente pelos prolongamentos das células ependimárias, os quais posteriormente se retraem.

Desenvolvimento dos Gânglios Espinhais

Os neurônios unipolares nos gânglios espinhais (figura 8) derivam de células da crista neural. O prolongamento periférico das células do gânglio espinhal vão através dos nervos espinhais para terminações nervosas sensoriais em estruturas somáticas ou viscerais. Os prolongamentos centrais penetram a medula espinhal e constituem as raízes dorsais dos nervos espinhais.

Formação das meninges

As meninges são formadas pela dura-máter, pia-máter e aracnóide. A dura-máter (figura 9) é proveniente do mesênquima que circunda o tubo neural. E a Pia-máter e a aracnóide (figura 9) são derivadas das células da crista neural.

O líquido cerebroespinhal (LCE) embrionário começa a se formar durante a 5ª semana, produzido pela tela corióide dos ventrículos laterais, 4º ventrículo e 3º ventrículo. Através das aberturas mediana e lateral, o LCE passa para o espaço subaracnóide. É absorvido pelas vilosidades aracnóideas, que são protusões da aracnóide nos seios venosos da dura-máter.

Mudanças de Posição da Medula Espinhal

No embrião, a medula espinhal estende-se por todo o comprimento do canal vertebral, mas a coluna vertebral e a dura-máter crescem mais rapidamente, e a extremidade caudal da medula espinhal coloca-se gradualmente em níveis relativamente mais altos. No recém-nascido, a medula termina na vértebra L3; e no adulto, na borda inferior da primeira vértebra lombar.  Abaixo de L2, uma extensão filiforme da pia-máter dá origem ao filamento terminal, que se fixa ao periósteo da primeira vértebra coccígea. As raízes nervosas inferiores à extremidade terminal da medula espinhal, o cone medular, formam um feixe de raízes nervosas, a cauda equina (figura 10). A dura-máter continua fixada à coluna vertebral até o cóccix.

Aproveite para rever vários processos do desenvolvimento do sistema nervoso clicando em:
Guia Ilustrado do Desenvolvimento do Sistema Nervoso


Correlação Clínica

A punção lombar pode ser realizada sem lesão medular no nível da cauda eqüina, já que nesse espaço só são encontrados feixes de raízes nervosas.

Mielinização das fibras nervosas

Na medula espinhal, as bainhas de mielina começam a se formar durante o período fetal tardio e continuam a fazê-lo durante o primeiro ano pós-natal, pelos olidendrócitos (no SNC) e células de Schwann (no SNP).

Anomalias da Medula Espinhal

Espinha bífida (Figura 11): defeito do tubo neural na região espinhal, causada por uma divisão dos arcos vertebrais, podendo ou não envolver o tecido neural subjacente. Tem origem multifatorial, estando associada com hipotermia, ácido valpróico e hipervitaminose A. A ingestão de ácido fólico com início dois meses antes da concepção e durante pelo menos até os 3 primeiros meses de gestação podem diminuir em até 70% a incidência de defeitos no tubo neural. Pode ser de dois tipos:

Espinha bífida oculta (Figura 12): ocorre por um defeito no crescimento das metades do arco vertebral e da sua fusão no plano mediano na região lombossacra (L4 a S1). Esse defeito é coberto pela pele e geralmente não envolve o tecido neural subjacente. Pode ser marcado por um tufo de pêlos sobrejacente à região afetada.

Espinha bífida cística (Figura 13): ocorre protrusão da medula espinhal e/ou das meninges através do defeito no arco vertebral e na pele. É geralmente acompanhada de déficit neurológico, dependendo do local da lesão, com perda de sensibilidade e paralisia completa ou parcial de músculos. Se o saco contém meninges junto com o líquido cerebroespinhal, a anomalia é chamada de espinha bífida com meningocele. Se o saco contém medula espinhal e/ou raízes nervosas, a anomalia é chamada de espinha bífida com meningomielocele. Se as pregas neurais não se elevam, permanecendo como uma placa de tecido neural, a anomalia se denomina espinha bífida com mielosquise. A espinha bífida cística é diagnosticada por meio do ultrassonografia com 10 a 12 semanas de gestação e dos níveis de α-fetoproteína no soro materno e no líquido amniótico.

Figura 11 - Observe a não fusão dos arcos vertebrais. Em A, espinha bífida oculta. Em B, Espinha bífida com meningocele. Em C, espinha bífida com meningomielocele. Em D, espinha bífida com mielosquise.

Fonte: Moore & Persaud (2003)


Figura 12 – Menina apresentando uma espinha bífida oculta.


Fonte: Moore & Persaud (2008)


Figura 13 – Criança com espinha bífida cística (com mielosquise)


Fonte: Moore & Persaud (2008)

 

Bibliografia Consultada

Schoenwolf GC, Bleyl SB, Brauer PR, Francis-West PH. Larsen embriologia humana. 4a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2009.

Moore KL, Persaud TVN. Embriologia clínica. 8a ed. Rio de Janeiro (RJ): Elsevier; 2008.

Moore KL, Persaud TVN. The developing human: clinically oriented embryology. 7th ed. Philadelphia: WB Saunders; 2003.

Moore KL, Persaud TVN, Shiota K. Atlas colorido de embriologia clínica. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2002.

O’Rahilly R, Müller F. Embriologia & teratologia humanas. 3a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

Cochard LR. Atlas de embriologia humana de Netter. Porto Alegre (RS): Artmed; 2003.

Sadler TW. Langman embriologia médica. 9a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

Sadler, TW. Langman fundamentos de embriologia médica. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2007.

Rohen JW, Lutjen-Drecoll JW. Embriologia funcional: o desenvolvimento dos sistemas funcionais do organismo humano. 2a ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

Netter FH. Atlas de anatomia humana. 2a ed. Porto Alegre (RS): Artmed; 2000.

 

 
 

Figura 1 – Esquema ilustrativo da formação do sulco neural e cristas neurais em embrião de 20 e 21 dias.

Fonte: Cochard, 2003

Figura 2 - Esquema de cortes transversais de embriões progressivamente mais velhos, ilustrando a formação do sulco neural, tubo neural e crista neural (a a f). Nas fotos de microscopia eletrônica de varredura, evidencia-se o início do desenvolvimento das vesículas encefálicas primárias durante a formação e a elevação da prega neural craniana (g) e o fechamento do tubo neural na quarta semana (h) e formação do prosencéfalo (F), Mesencéfalo (M) e Rombencéfalo (H).

Fontes: a a f) Moore et al. (2002) e g e h) Sadler (2007).

Figura 3 – A. Vista dorsal de embrião humano no 22° dia em que podem ser observados sete somitos de cada lado do tubo neural. B. Embrião com 23 dias. O sistema nervoso está em conexão com a cavidade amniótica pelos neuróporos cefálico e caudal. C. Eletromicrografia destacando somitos (S).

Fonte: Sadler (2005).


Figura 4 – Esquema ilustrativo da histogênese das células do sistema nervoso central

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 5 – Esquema ilustrativo da formação das zonas da medula espinhal e das placas alares (A) e basais (B). Observe que essas placas são separadas trasversalmente pelo sulco limitante.

Fonte: Rohen e Lütjen-Drecoll (2005)

Figura 6 – Esquema ilustrativo das placas basais e alares, comparando com os seus derivados adultos (medula espinhal em baixo)

Fonte: Rohen e Lütjen-Drecoll (2005)

Figura 7 – Seção transversal de um embrião de cerca de 40 dias, desenvolvimento da medula espinhal, com ênfase no sulco limitante

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 8 – Esquema ilustrativo da medula espinhal

Fonte: Moore & Persaud (2003)

Figura 9 - Esquema ilustrativo das meninges

Fonte: Netter (2000)

Figura 10 – Esquema ilustrativo do desenvolvimento da porção caudal da medula espinhal em relação à coluna vertebral em embriões com 8 semanas (A), feto de 24 semanas (B), recém-nascido (C) e adulto (D).

Fonte: Moore & Persaud (2003)